Corumbá (MS) – O VII Encontro dos Mestres dos Saberes, realizado no fim de tarde desta sexta-feira (27.05) no Porto Geral, como programação do 16º Festival América do Sul Pantanal, foi uma verdadeira troca de experiências e saberes entre os mestres da nossa cultura popular oral.
Iniciando os trabalhos, o secretário adjunto de Cidadania e Cultura, Eduardo Romero, disse que a ideia do Festival não é só ter atrações no palco, só ter a música, as grandes apresentações, os espetáculos, que é uma parte importante, “mas o objetivo é que a gente também aproveite para as nossas trocas, para as nossas inspirações e para a manutenção da nossa arte, da nossa cultura. É muito importante mantermos nossas tradições orais e, em especial, a gente trocar saberes. Muito obrigada pela participação de todos”.O chefe do diretório técnico do Iphan, Cleber Ribeiro Dias, também esteve presente e disse estar muito feliz de participar deste encontro de fundamental importância, “porque a gente ainda convive com vocês a maior parte do ano, em alguns períodos específicos a gente fica mais junto. O Iphan está de portas abertas para receber as oficinas do Festival. De todas as formas que a gente puder exaltar a nossa cultura, as nossas tradições e as pessoas que estão envolvidas também. E o Festival traz essa oportunidade de não só a gente conhecer nossa cultura e expor para todos os outros, mas também de conhecer de outras partes. Essa troca é fundamental”.
O coordenador das atividades do patrimônio imaterial do Fasp, Douglas Alves da Silva, agradedeu a todos os presentes, aos mestres. “É a segunda vez que participo, ela foi integrada ao Festival América do Sul Pantanal em sua 15ª edição. É muito bom ver este evento aqui novamente e cada vez se ampliando mais”.
A socióloga proprietária da empresa de consultoria “Saber Cultura”, Wanessa Rodrigues, explicou que alguns mestres foram premiados, receberam um prêmio em dinheiro do extinto Ministério da Cultura para que eles pudessem investir na atividade cultural que eles desenvolvem. “E posteriormente a isso nós pensamos o que poderíamos fazer para que as pessoas conhecessem a importância desses mestres. Então pensamos neste Encontro”.
“Hoje nós temos três ações que foram desenvolvidas voltadas a essa difusão dos saberes dos mestres, dos conhecimentos deles. Cinco edições foram realizadas na UFMS enquanto eu estive como professora substituta de Sociologia e Antropologia. O meu foco naquele momento era mostrar que conhecimento não é só o que está dentro da academia. Eu busquei levá-los até esses alunos para que a vivência desses mestres, o conhecimento adquirido ao longo da vida junto às práticas culturais desses mestres também é conhecimento. Então os cinco Encontros que eu fiz em 2019 foram voltados a isso”.
“Em 2021 eu tive a possibilidade via Lei Aldir Blanc da Fundação de Cultura do Estado, a LAB2, de fazer um documentário de cada um deles, um curta para poder falar um pouco da atuação de cada mestre, foi mais uma ação gerada a partir dessa consultoria, e nós temos registrados no canal Saber Cultura, no YouTube, o curta de cada um deles disponível gratuitamente. E eu tive oportunidade também, a convite da professora Vívian Veiga, da UFMS, de escrever um artigo sobre as mulheres na cultura de Corumbá, e escrevi uma parte, porque cada uma delas aqui daria um livro inteiro, então eu tive a oportunidade de escrever apenas um capítulo, então tem um registro de um pouquinho da história delas. Então são três ações que saíram a partir dessa consultoria”.
“Esses mestres foram reconhecidos devido ao uso da tradição oral, isso é muito forte na prática cultural deles, e uma das outras exigências é que fosse transmitido para as novas gerações. Então todos esses mestres de alguma forma repassam o conhecimento deles e garantem que esses conhecimentos não se percam porque eles estão trabalhando com os jovens, alguns na escola, outros na comunidade em que eles estão inseridos, e o requisito seria que tinha que ter a documentação histórica de que eles atuam. Então aqui nós temos mestres que atuam há 20, 30, 40 anos ou a vida inteira”, finaliza Wanessa.
Logo depois, os mestres da cultura popular puderam falar um pouco sobre suas experiências de vida. Benedito Carlos Gonçalves Lima, da área da Literatura, é mestre da cultura popular: “Eu comecei a fazer um trabalho poético desde os dez anos de idade graças aos meus bons professores que eu tive. Eles todos nos davam estímulo a escrever sempre e eu vim tomando gosto pela escrita, lia muito e continuo lendo. Então eu falo que esse contato da cultura popular é o que realmente faz valer a presença, o conhecimento da nossa história”.
José Alzamend é vice-presidente do Grupo de Dança Anjos Dourados: “Eu estou aqui representando nosso grupo de dança lá de Ladário o Grupo de Dança Anjo Dourado, que nasceu em 1997 por um grupo de alunos do colégio franciscano lá de Ladário dentro do qual estava presente um filho meu. Então uns colegas deles fizeram um grupinho que ia participar das festas juninas da escola. Posteriormente a maior parte da minha família também dançou no grupo e com o passar dos anos a gente resolveu formalizar esse grupo. Em 2010 nós fizemos um estatuto do grupo como uma associação, uma ONG sem fins lucrativos”.
Marlene Terezinha Mourão, a Peninha, é Metre da Cultura Popular da área de artes plásticas e poesia: “Eu desenho, pinto e escrevo também. Eu sou poeta agora, escritora, e fui professora. Eu vim para Corumbá num trem que trazia a minha irmã que fazia companhia para uma prima nossa que vinha ver uma pessoa que ela estava interessada aqui num carnaval. E cheguei no carnaval, entrei num bloco e nunca mais saí. Aí eu escrevi alguns livros, pintei e bordei. Eu fui parceira da Heloísa Urt, que é um ícone da cultura daqui, nós tivemos uma lojinha de artesanato, eu fazia serigrafia, ela fazia bolsas e pintava”.
Reginalda Mendes Vera é festeira de São João do Arraial de Nhá Concha: “Este ano nós estamos fazendo 59 anos de tradições. O nosso São João é de gerações, de avó para tia, de tia para mãe, de mãe para filha. O nome da minha mãe era Conceição, mas o apelido era Concha, então nós botamos o nosso arraial de Nhá Concha. Minha mãe faleceu e eu continuei com a festa da família”.
Cecília Maria da Silva é da área do teatro, do Grupo Tesouro Pantaneiro: “Eu escrevo qualquer tipo de história e eu não sou professora como Peninha. Eu gosto de fazer teatro. Comecei a pensar naquelas pessoas folclóricas de Ladário aí eu montei um teatro, mas foi um sucesso. Agora reuni um bocado de velharada aposentada como eu e montei um grupo chamado Tesouro Pantaneiro. Foi a coisa melhor que eu fiz na vida”.
Bianca Maria Machado de Oliveira é da área do teatro, da Cia Maria Mole, é Mestre da Cultura Popular: “O teatro está para o homem como tudo que o homem é, porque o teatro é só representação do que somos. Isso é o teatro: é contar quem somos para nós mesmos. Aqui só tem gente que é patrimônio imaterial desse lugar que nós pisamos. Obrigada por vocês estarem aqui”.
Sebastião de Souza Brandão é da área de patrimônio cultural: “Eu estou começando a passar pro meu neto a nossa herança da cultura da viola de cocho, e ensinando para ele. Da minha história eu não esqueço. Eu aprendi a tocar viola já estava com 16 anos, e já fazia mini viola para brincar com meus colegas. Eu tenho 78 anos, meu pai cantava modinha de cururu para eu dormir, então eu tenho a viola como uma geração que eu não posso deixar ela”.
Benedito Manoel da Conceição é festeiro de São João: “No ano de 1989 foi quando a gente começou a fazer a festa, lembrando ainda dos meus pais, porque são eles que faziam a fogueira. Para a gente entrar nisso tem que ter muita fé. Na época tinha fogueira e tinha que passar pela brasa. Quem não passava pela brava não era devoto”.
Pedro Paulo Miranda, festeiro de São João: “Este ano a gente completa 57 anos. A nossa festa é realizada na comunidade Nossa Senhora de Fátima. A nossa comunidade festeira teve início através de uma promessa: eu sou prova viva da força da fé em São João Batista. A nossa festa surgiu na noite de 23 de junho de 1964. Eu com três meses de vida, o meu velório já havia começado, fui dado como morto, e nisso descia uma procissão de São João Batista, minha mãe se ajoelhou debaixo do andor e do nada e aí eu recuperei os sentidos. A festa começou pequena, dentro do quintal de casa, e hoje a festa cresceu e foi para a rua”.
Sérgio da Silva Pereira, da área da música e poesia no campo: “Sou professor de arte, é mestre da cultura popular. A minha trajetória na arte começou na poesia, depois passou para o teatro e eu queria fazer música. Eu moro no Assentamento Taquaral desde quando ainda era acampamento, desde 1989, quando a gente chegou aqui embarcado num trem. Não tinha como fazer música no assentamento então a gente buscou outros caminhos. Eu fui pra Campo Grande, fiz faculdade de Música, voltei pro assentamento e comecei a trabalhar com projeto de educação musical com 40 crianças, esse trabalhou durou dez anos, a gente formou a Orquestra Experimental do Campo”.
Texto: Karina Lima
Fotos: Maurício Costa Júnior