Uma aula de arte e resistência. Pela primeira vez o Festival América do Sul abriu as portas para a Batalha Vogue, e as “mothers” de houses sul-mato-grossenses.
Na noite deste domingo, a 7 de Setembro com a General Rondou ficou pequena para tamanho público, que não tirou os olhos das performances e ainda lamentou quando chegou ao fim.
À frente da apresentação, a “mother” Luara Maria iniciou a condução agradecendo pela oportunidade de compartilhar a arte e mostrar um pouco da cultura vivenciada por ela, Isabela Maria Antes, Evelyn Bombshell, Tarso Fernandez, Roger Pacheco, 007 e DJ AfroQueer, que representavam o Conselho Ballroom de Mato Grosso do Sul.
“Mas afinal, o que a gente veio fazer aqui hoje? Viemos demonstrar pra vocês um pouquinho de dança. Acredito que vocês conheçam o Vogue somente através lá do clipe da Madonna, né Aquele clipe todo preto e branco, mas pasmem, não foi a Madonna que criou o Vogue. É, gata… O Vogue, ele é uma cultura que ele vem há muitos anos”, explica Luara.
Antigamente, o Vogue não era nem dançado como é hoje. Segundo explicação da apresentadora, ele se dividia em categorias comportamentais, onde as artistas escolhiam seu melhor dress code entravam na Ballroom.
“Eram eventos fechados para a comunidade LGBT, porque naquele tempo, com o tamanho da opressão, a gente não era permitida nem sair na rua. Então, as pessoas, alugavam espaços clandestinos de boates, ou seja, mesmo dentro da boate, elas tinham que se esconder”, revela.
A programação do Festival América do Sul traz apenas um resumo de décadas do Vogue e dos mais de 10 anos de estudo da Luara. “Até para acessar uma Ballroom naquele tempo, você tinha que ter uma senha. Então, vamos supor, você chegava na boate, pagava, entrava, curtia o seu show, mas se você chegasse, por exemplo, falasse, tal senha, já sabiam que era pra você ir pra Ballroom”, completa.
A dança mesmo foi surgir a partir da década de 1970.
Ao mesmo tempo em que apresentava as performances das aristas, Luara também fazia sua participação e descrevia o que era cada um dos movimentos, suas referências, além de abrir espaço para que cada artista falasse um pouquinho de seu trabalho.
“Me chamo Isabela Maria Nantes, mother da House of Marias, e eu vim apresentar pra vocês, através dessa performance, movimentos utilizados em categorias comportamentais, como desfile, como entrega de look. Através dessas técnicas, promovemos autoestima e confiança, mas entendemos também que o movimento Vogue faz parte dessa construção de autoconfiança entre pessoas LGBTs, pessoas pretas, e todas as diferenciais de cultura”, pontua uma delas.
Mothers e Houses
A própria nomenclatura traz consigo muito da vivência das pessoas trans que têm nas figuras o acolhimento como “mães” quando são expulsas de casa.
“Esse conceito de mother, ele vem juntamente com o conceito de house, que lá antigamente, quando as famílias, e aí explico que a expulsão de famílias de pessoas LGBT de casas era muito maior do que a gente tem hoje em dia, viu? Quando as pessoas LGBTs eram expulsas de casas, elas eram acolhidas, geralmente por mulheres trans, por homens gays, que já estavam na rua há muito tempo e tinham uma house. Então, dentro do meio ballroom, a gente tem isso de chamar house e família”, pontua Luara.
Do início ao fim, a batalha de Vogue, como é chamada a apresentação de diferentes estilos, prendeu, como no caso Yasmin Lima dos Santos Silva, de 12 anos, e sua mãe, a microempreendedora Rosaline Lima dos Santos.
“Nós estávamos indo embora, quando paramos para ver o que era”, diz a mãe, logo interrompida pela filha. “Eu pensei ‘não é possível. É a primeira vez, eu nunca tinha visto uma arte assim, achei lindo, arrasaram na apresentação”, elogia a estudante que conseguiu até aprender algumas vertentes e expressões.
“Eu quero tentar fazer isso, gente. Acho que no ano que vem precisa ter uma oficina. Isso é lindo, pura arte”, completa Yasmin.
Apesar da pouca idade, a adolescente consegue ver no Vogue não só cultura como uma forma de trazer várias mensagens para a sociedade. “Principalmente para deixarmos de ser intolerantes”.
Paula Maciulevicius, Ascom FAS 2023
Fotos: Bruno Rezende