Corumbá (MS) – O Quebra-Torto com Letras, que aconteceu na manhã deste sábado (26.05) no Moinho Cultural durante a programação do 14º Festival América do Sul Pantanal, promoveu um amplo debate sobre direitos sociais e ambientais, cultura regional, arte da periferia e interculturalidade e descolonialização. Autores literários de diversas origens e vertentes se reuniram para trocar experiências e divulgar seus trabalhos.
O poeta, escritor e compositor Rubênio Marcelo, secretário-geral da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, falou sobre seu novo trabalho, “Palavras em Plenitude”, em que traça um perfil dos artistas da palavra. Trata-se de uma reunião de críticas publicadas em jornal e revista, voltadas para obras literárias, cinema, teatro e crítica musical. Alguns artistas são contemporâneos e alguns, saudosos. “Devemos falar sobre literatura e poesia em todos os quebra-tortos todos os dias porque desenvolve o pensamento e engrandece o ser humano”.
A segunda palestrante, a chargista, ilustradora e autora de livros infantis Marlene Mourão, discorreu com bastante informalidade, característica de seu estilo, sobre suas produções. Em 2002 a autora foi contemplada pelo Fundo de Investimentos Culturais e publicou o livro “Pacu era um peixe feliz que vivia nas águas do Rio Paraguai”, que ela escreveu em 1978. É a história de um peixe que sai da água e vê como o povo vive na terra. Publicou também o conhecido “O azul dentro do banheiro” e um livro sobre a história de Frei Mariano. “Você vai escrevendo o que vier e no final vai dar melodia, vai dar poesia”.
João Meirelles Filho, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2017, é ativista ambiental e trabalha na Ong que ele mesmo fundou, o instituto Peabiru, que atua no campo dos direitos sociais e ambientais. Nascido em São Paulo, ele dedica sua vida à Amazônia e em especial a Belém, no Pará, onde reside desde 2004. Ele divulga no quebra-torto seu primeiro livro ficcional, de contos, “O Abridor de Palavras”.
“Nosso papel como escritor é escrever a vida das pessoas, dar visibilidade, dar voz. Literatura se faz assim, vai avançando os problemas e encontrando caminhos. “Nunca tinha escrito ficção. O trabalho que eu tenho é muito parecido com o de vocês aqui em Corumbá. Sou um guerrilheiro da palavra. Posso compartilhar essas histórias com vocês”.
Logo depois, as discussões passaram para o campo da interculturalidade e descolonialização com o sociólogo boliviano Marcelo Sarzuri. Marcelo é pesquisador no Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello (IIICAB) e coordenador da revista “Integra Educativa”. O autor luta contra a discriminação e fala sobre o movimento cultural na Bolívia.
“A primeira vez que escrevi um artigo de opinião o editor publicou ‘jovem intelectual aimara’. Observei a forma que o outro me estava olhando, me dando uma identidade. Na Bolívia há um movimento cultural que transforma, é um país que está em constante movimento. Pensei em como nos liberamos daquilo que aprendemos desde criança: a nos odiarmos. Esta é a marca da colonialidade. Acredito na expressão artística como um escape da estrutura social, na democratização cultural no ensino”.
As exposições de ideias se encerraram com o poeta, cronista e produtor cultural Sérgio Vaz. Morador do extremo sul da periferia de São Paulo, Sérgio ficou famoso por organizar, a partir de 2001, a Cooperifa, cooperativa de artistas da periferia. Organizou a famosa Semana de Arte Moderna na Periferia e o projeto Cinema na Laje, “em que nunca passou um filme de Holywood”.
“Criamos no Bar do Zé Batidão o Sarau da Cooperifa, onde há 17 anos, todas as terças-feiras a comunidade se encontra para falar e ouvir poesia. A literatura deixou de ser sagrada para ser sagrado o leitor. Para mim, literatura é como o samba, o funk e o futebol. Está todo mundo aprendendo um com o outro. As pessoas estão se apropriando da palavra, e isso se espalhou nas escolas públicas de São Paulo. Queremos que sejamos nós a contar nossa história. Estamos consumindo e produzindo nossa literatura. Estou muito feliz de estar aqui em Corumbá, conversando olho no olho. Estamos repartindo, viemos aprender também”.
Depois das palestras, foi iniciado um bate-papo com participação do público. Apresentações culturais com Vinil Moraes e a Orquestra Vai Quem Vem, de Campo Grande, enriqueceram o evento literário. Esta grande festa foi encerrada com sessões de autógrafos, vendas de livros e com os presentes saboreando o quebra-torto com pratos típicos da comitiva pantaneira – arroz de carreteiro, feijão gordo, paçoca, mandioca – produzido pela equipe culinária do Moinho Cultural.
Fotos: Aurélio Vinícius