Caros leitores, quebra-torto é uma expressão composta por duas palavras: quebra, do verbo quebrar, cujo aspecto, no contexto que abordamos aqui, é interromper, cessar, parar uma ação; e a palavra torto, adjetivo masculino, que significa aquilo que está inclinado, pendente, sinuoso, curvo, convexo, recurvado, não reto, não direto. Na semântica do homem pantaneiro, a expressão quebra-torto significa a primeira refeição do dia, equivalente ao nosso tradicional café da manhã. Assim, o quebra-torto, que chega a ser quase um almoço, no Pantanal, é a refeição que quebra, interrompe, faz parar o jejum de 8 a 10 horas, relativamente ao tempo em que o vaqueiro esteve dormindo. Por outro lado, o vocábulo torto tem duas acepções populares. A primeira explica o tipo de café da manhã nada convencional, ou seja, torto. E, a segunda, remete ao jeito como dormimos, convexo, curvo, recurvado, não reto… torto! Esse café reforçado, que quebra o desjejum e deixa o peão no prumo, reto, para mais um dia de trabalho, sai entre 4 e 5 horas da madrugada, antes de os vaqueiros irem para a lida. E, quando saem, levam o que sobrou no sapicuá, saco de pano que trazem preso na garupa do cavalo. O quebra-torto é chamado de desayuno, em espanhol; de pequeno almoço, em Portugal; e de breakfast, em inglês. Mas nunca é servido tão cedo, como acontece no Pantanal. Entretanto, da linguagem do homem pantaneiro, trouxemos outras palavras que dão nome às iguarias que compõem esse robusto café, são elas, arroz carreteiro, ovo frito, paçoca, quibebe de mamão verde, mandioca frita, caribéu, macarrão com carne seca, bolo de fubá, chipa, bolinho de chuva, café, bolo de arroz, leite, sopa paraguaia, feijão empamonado, dentre outros sabores. Dos doces, os mais comuns são furrundu e cachorrada, ou “catchorrada”, como escreve Augusto César Proença, em A força do falar pantaneiro (SILVA et aliae, 2010). Assim, os peões comem e conversam, antes da lida diária, numa formação que lembra um círculo. Daí o FASP emprestar o nome à atividade literária do evento – Quebra-Torto com Letras -, pois o encontro é logo pela manhã, quando o café é acompanhado de roda de conversa e descontraído bate-papo com autores de livros. Esses artesãos das letras e das palavras nos falam de poesia, da escolha de temas e de nome de livros, de crônicas e de poemas. E nos revelam o que os motiva escrever, contando que são pessoas normais, como nós, que também vão ao supermercado e que sentem fome, que dormem, tomam banho e têm frio. Com a emoção de poeta nos explicam como se deu o encontro com a literatura, e de como se mantêm nela; e desabafam da luta que travam com o mercado editorial, espaço cada vez mais exclusivista. O momento é único no Festival América do Sul, é onde a diversidade de conhecimentos vem ao encontro de nossa sede de saber e de ler. É ali que esses iluminados escritores brincam com as letras, criam e reinventam palavras, produzindo sentidos e emoções! Coisas da língua! Bom Festival!
Rosangela Villa – UFMS