Em círculo, formato onde todos podem se olhar os rostos um dos outros e dialogar de igual para igual. Essa é a proposta do Seminário Arena Aberta que, apesar do primeiro nome remeter ao ambiente acadêmico, opta por um papo mais solto onde pontos de vistas, ainda que diferentes, somam para um tema escolhido.
No Festival América do Sul Pantanal 2022, o poeta corumbaense Lobivar Matos, a artista plástica Lídia Baís e a multiartista Marlene Mourão tomaram conta da cena de diálogos, provando que a arte se perpetua para além do seu tempo de criação.
Tanto Lobivar como Lídia, homenageados desta edição do FASP, conversam muito proximamente da nossa realidade cotidiana. Ele, com sua denúncia social; ela, a artista impetuosa e na vanguarda de uma sociedade conservadora e machista. Já Marlene Mourão, também conhecida por “Peninha”, que construiu um nome como artista plástica do Estado, recentemente ressurge como a escritora de temas que falam sobre o eu, no republicado Azul Dentro do Banheiro, e numa visão singular sobre a relação entre o homem e o Divino, em Caminho Curto 33.
“Essa é a antropofagia do Modernismo Brasileiro, cujo centenário comemoramos esse ano. Descobrir, perceber as relações existentes nas obras desses três grandes nomes da arte sul-mato-grossense é trazer a antropofagia do Modernismo para os dias atuais”, avaliou o ator e diretor Fernando Cruz, do Teatro Imaginário Maracangalha, que conduziu os diálogos realizados na quadra de esportes da Escola Municipal de Educação Integral Luiz Feitosa Rodrigues.
Aliás, a escola foi estrategicamente escolhida para receber o evento por estar localizada nas imediações do antigo bairro Sarobá, título de uma das obras do “poeta desconhecido”, alcunha dada por Lobivar Matos a si próprio.
“Nosso trabalho como teatro de rua contribui para não deixar ele ser mais o poeta desconhecido. Ser consagrado na própria cidade dele, hoje ele é reconhecido no cânone da Literatura Brasileira”, disse Fernando Cruz.
Privilégio
Diferente de Lobivar não foi ela mesma que se apelidou, entretanto Marlene carrega o diminutivo apenas na alcunha Peninha pois, como bem lembrou a atriz e produtora cultural Bianca Machado, a artista natural de Coxim, mas que adotou Corumbá para viver, tem várias facetas: cartunista, artista plástica, serigrafista, escritora, e por aí vai.
Com uma cara que parece desconfiar do que lhe é atribuído, Marlene Mourão demonstra que, talvez, nem tenha dimensão da sua real importância para a arte do Estado ou talvez seja uma timidez disfarçada de jocosidade.
O certo é que a sensação de privilégio por estar frente a frente com a multiartista desperta olhares interessados quando a própria busca explicar alguns de seus poemas ou mesmo a razão do seu apelido.
“Sou músico, tenho envolvimento no movimento da contracultura aqui em Corumbá e penso que momentos como esses são fundamentais porque poucas pessoas ainda conhecem nossos artistas. A própria obra do Lobivar deveria ser mais explorada, temos escritores corumbaenses com obras referenciando”, disse o professor Gabriel Omar.
Alguns dos poemas de Marlene Mourão ficaram em exposição num varal do lado de fora da escola onde foi realizado o “Sarobá de Corumbá”, um sarau que teve música, teatro, cortejo poético e inundou de arte uma das regiões de Corumbá que, desde o tempo de Lobivar, ainda carrega estigmas, mas que teve ganhou seu lugar de destaque durante o Festival América do Sul Pantanal.
Texto: Lívia Gaertner